Corrida: Têm sido seguro? Como reduzir os riscos?
Autor: Felipe Nassau
Postado por: Jr.Cézar Data: 02/05/2012
Resumo em Tópicos
- A corrida tem sido considerada como atividade
de alto risco de lesões.
- Em 2 anos, entre 60% a 90% dos praticantes
sofrerão lesões e ficarão afastados por mais de 1 mês.
- A falta de um bom trabalho de FORÇA na
musculação contribui para a ocorrência de lesões.
- Mesmo num grupo de corrida, é necessária uma
preparação individual e específica para cada corredor.
- O alto volume (excesso)de corrida tem sido o
fator chave para ocorrência de lesões.
- Atletas suportam em torno de até 50km
semanais, enquanto recreativos têm suportado até 10km.
- Atletas maratonistas correm com velocidades
acima de 16km/h. Nessas velocidades, o impacto direto não é no calcanhar,
mas na planta e frente do pé.
- Esse padrão de movimento é semelhante ao de
correr descalço.
- A literatura reporta que correr descalço é tão
seguro quanto correr com tênis adequado.
- Tênis muito usados aumentam o risco de lesão.
- Tênis corretivos para pronação ou supinação
não corrigem a pisada, pois a correção não é um movimento natural do
indivíduo. Nesse caso, o corpo aumenta a supinação ou pronação.


Indústria da corrida
Visto que o número de praticantes de corridas longas é crescente, é
necessário buscar um maior aprimoramento das técnicas e estratégias de corrida
para que seja salutar e promova os ganhos de desempenho prometidos.
A razão para este crescente aumento de praticantes é multifatorial. Um
deles é o incentivo de órgãos da área da saúde à prática de exercícios físicos
como prevenção de patologias não transmissíveis como diabetes, obesidade e
hipertensão. Sendo assim, por não necessitar de aparelhos caros e poder ser
praticada em qualquer lugar, a modalidade tem muitos pontos favoráveis na hora
da escolha.
Nesse sentido, a indústria de materiais e acessórios esportivos tem
buscado se aprimorar para agregar valor ao seu produto (o que será discutido
melhor posteriormente), criando um conceito running, que vai muito além
de implementos para corrida, formando não só um estilo de vida, mas também, uma
moda.
Percebendo esse público interessado, empresas promotoras de eventos
esportivos têm promovido estes não apenas para atletas, mas também, para
pessoas que, não sendo corredores profissionais, tem menos interesse no
resultado, pois seus objetivos são a busca de saúde, bem estar e socialização.
Tais eventos compreendem as mais diversas modalidades como revezamentos, provas
por equipes, provas com distâncias diferentes e outras, favorecendo a
participação de todos.Além disso, essas corridas tornaram-se grandes eventos de
lazer. Há relatos de praticantes assíduos das “corridas de finais de semana”
que afirmam que, muitas vezes, o melhor nem é a corrida
em si, mas o ambiente “saudável”.
Profissionais de educação física, ao perceberem essa grande reserva de
mercado, criaram o conceito de “clubes de corrida”, onde praticantes se reúnem
para treinar e participar de provas, além de estabelecerem relações de
socialização, o que aumenta a segurança dos participantes e contribui para
melhorar seu desempenho esportivo, desde que respeitados os preceitos do
treinamento desportivo. Vale lembrar que toda prática de exercícios deve ser
prescrita e acompanhada por um profissional de educação física.
Individualização das planilhas
Toda prescrição deve ser baseada na atual condição física do indivíduo, nos seus objetivos e com adaptações às suas
limitações. Logo, em grupos heterogêneos de não atletas, deve ser um tanto
complicado realizar treinos em grupo em que todos seguem a mesma prescrição. É
um desrespeito aos maiores preceitos do treinamento - a individualidade e a periodização - considerando que indivíduos que não são atletas
dificilmente se encontram na mesma fase de preparação. Isso também vale para
treinos individuais com planilhas de treino iguais para todos do grupo, afinal,
também caracteriza prescrição em grupo.
Nesse sentido, boa parte do treinamento deve ser personalizada, com
alguns possíveis encontros pré-determinados. Porém, devido ao fator
“socializante” do esporte contribuir para a fidelização do indivíduo ao clube,
isso tem sido aparentemente negligenciado em alguns casos.
Incidência de lesões em corredores
Estudos afirmam que a corrida de longa distância é um exercício com alto risco de lesão,cuja probabilidade de ocorrência varia entre 60% a
90% a cada 2 anos. Ou seja, dois terços ou mais dos praticantes que
permanecerem assíduos à corrida por esse período sofrerão lesão que os afaste
do esporte por pelo menos 1 mês, sem falar de
prováveis gastos com médicos, medicamentos, fisioterapia ou até cirurgias.
Volume de treinamento e lesão.
Na literatura científica há uma ligação direta entre volume semanal de
treinamento e lesão. Quanto maior o volume, mais lesões. Em praticantes
recreativos o risco cresce exponencialmente a partir de 10km semanais, já em
atletas maratonistas, isso parece ocorrer a partir de 50km semanais.
Um dos maiores mitos da preparação de corridas de longa distância é
utilizar apenas treinos de longa distância. São também fundamentais os treinos
intervalados extensivos e até os intensivos (sprint). Além disso, outra modalidade fundamental é o treinamento de
força (musculação). Este se mostra importante não só na melhora da corrida,
mas, principalmente na prevenção de lesões. Vale ressaltar que é necessário o
treinamento da capacidade FORÇA de modo adaptado e funcional ao corredor, porém,
é comum encontrar preparações ditas “específicas para corredores” na musculação
onde a pretensão é desenvolver outras competências físicas, logo, não aumenta a
segurança do corredor, tampouco melhorará o desempenho na corrida de modo
efetivo.
Alterações estruturais e lesões
Aparentemente, alterações no alinhamento de membros inferiores como
joelho valgo ou joelho varo não têm contribuído para lesões patelofemurais,
porém, podem influenciar outras formas de lesão. Já as alterações na pisada têm
influenciado bastante o risco de lesão.
Tênis
Buscando atingir o público com desvios de pisada, a indústria de
materiais esportivos tem se especializado em tênis para pessoas com pisada
pronada, regular ou supinada. O interessante é que estudos têm mostrado que
isso não corrige a pisada, pois o corpo percebe o novo padrão de movimento ao
qual não está adaptado e aumenta mais ainda a pronação e a supinação. Sendo
assim, é possível que o risco de lesão não seja diminuído, e até, aumente em função dos corretivos. De qualquer modo, não há
evidências publicadas em periódicos confiáveis de que uso de tênis corretivos
diminua o risco de lesões em corridas. O que se sabe concretamente sobre o tipo
de calçado é que tênis muito usados aumentam o risco de lesões, motivo pelo
qual devem ser trocados com uma freqüência adequada.
Correr descalço
Partindo da idéia de
que muitos corredores campeões corriam descalços antes de se consagrarem por
não terem acesso a tênis, pesquisadores têm estudado
bastante a corrida sem calçados,obtendo resultados muito favoráveis. O risco de
lesão com os pés descalços ou com tênis mostra-se
o mesmo, o que é totalmente coerente, afinal, o corpo humano deve suportar as
forças compressivas da corrida sem se lesionar com facilidade e descalço é a
forma natural de correr.
Nesse sentido, a indústria tem lançado luvas para pés, para quem quer
usufruir de um padrão de corrida mais natural, mas com menos riscos de cortes
nos pés.
Padrão motor natural e corrida
Esses dados sobre corrida sem calçados devem-se mais a
um fator de movimentação do que ao fator do amortecimento em si.
Quando começamos a correr nos é ensinado a aterrissar com o calcanhar e
transferir a força pelo pé, gerando impulsão, todavia na corrida com os pés descalços, o padrão de movimento não é esse!
Os joelhos elevam-se mais, gerando mais
potência pelo quadríceps, pelos glúteos e pela
musculatura posterior da coxa, e a planta do pé aterrissa com os dedos
afastados, num movimento rápido de flexão plantar, gerando mais força pela
panturrilha. Ou seja, aparentemente, o sistema de amortecimento previne de
lesões quando a pisada começa pelo calcanhar, porém, se for utilizada uma
corrida mais natural, forças musculares com maior magnitude geram maior
estabilidade das articulações, amortecendo possivelmente boa parte do impacto.
Padrão motor específico à modalidade
Uma explicação plausível para esse fato é que ao pressionar o calcanhar
no chão, geramos uma força normal com o solo que nos empurra para cima e é
transmitida direto pelo osso da tíbia até o fêmur. Ao pressionar a parte da
frente do pé no solo, geramos uma soma dessa força normal com uma força de
atrito que nos impulsiona para frente e para cima, transmitida aos ossos e
articulações pela musculatura. Nesse sentido, é possível estabelecer uma
relação com a musculação. Em agachamentos devemos projetar as forças nos
calcanhares para empurrar a carga para cima e, caso projetemos a força na ponta
dos pés (deslocando joelhos e quadril à frente) ocorre sobrecarga do tendão
patelar, pois ao fazer isso, tendemos a nos deslocar para frente, porém
deslocando para cima (ver Texto: Agachamentos:
parte 1 ). O mesmo ocorre com a corrida. Ao pressionar o solo
com o calcanhar há uma tendência natural de movimento vertical, enquanto
pressionando a ponta dos pés, há uma tendência de movimento à frente.
Partindo dessa idéia, é possível compreender a razão de atletas tenderem
a se lesionar correndo distâncias muito superiores às percorridas pelos “atletas recreativos. Além de seguirem um planejamento coerente
com a ciência do esporte, realizarem trabalhos de força em sua preparação,
seguirem uma dieta adequada ou até praticarem o dopping, existe outra
explicação: Atletas maratonistas têm médias de velocidade acima de 16km/h
(alguns, 19 km/h). Nessa velocidade é praticamente impossível correr transferindo
a força do calcanhar até a ponta do pé, pois ocorrem movimentos com maior
amplitude e um toque no chão com a porção anterior do pé, de modo semelhante ao
de uma corrida descalço. Ou seja, não é o movimento com o calcanhar mais
rápido, mas outro movimento!
Aterrissagem e anatomia
Em muitos esportes onde há saltos e aterrissagens, como o vôlei e o parkour, é visível que a aterrissagem ocorre sempre com a ponta dos pés, uma
vez que um pequeno toque do calcanhar no chão antes disso pode ocasionar lesão
grave. Isso mostra como não é plausível que o calcanhar seja a estrutura corporal adequada para receber altos impactos. O
que explica, também, o motivo de tênis muito gastos serem fatores de
pré-disposição a lesões. Nesse sentido, correr tocando os calcanhares só é
seguro com amortecimento adequado, porém, é bem possível que o corpo se adapte
bem sem amortecedores no caso de se tocar o solo com a porção anterior do pé,
pois essa é a forma natural do corpo receber tais forças compressivas.
Conclusão
As principais causas de lesões em corrida são alto volume e estratégias falhas de
treinamento, , negligência ao treino de força,
uso de tênis muito gastos ou inapropriados para corrida e pisadas pronadas ou supinadas. Porém, tênis que
supostamente corrigem a pisada não são efetivos em seu propósito.
Adeptos da corrida sem calçados têm a mesma probabilidade de se
lesionarem que corredores que usam tênis, aparentemente porque a movimentação ocorre de modo diferente De pés descclaços,o
movimento é muito semelhante à técnica de corredores profissionais, com mais
amplitude de movimento e impulsão com a parte anterior do pé. Atletas tendem a
se lesionar percorrendo distâncias superiores mais que cinco vezes que de
corredores recreativos. Isto nos leva a crer que a mecânica convencional de
prescrição de corridas para iniciantes e recreativos deva ser revista com mais
atenção.
Nesse sentido, é possível que tocar direto a parte anterior do pé
(sugerindo uma maior elevação de joelhos e calcanhares) possa ser uma
estratégia interessante para corredores iniciantes, mesmo com o tênis. Porém,
essa forma de correr, favorece corridas mais velozes, o que pode sugerir que os
modelos atuais de prescrição de treinos de corrida com incrementos de volume
(quilometragem semanal) necessitem de revisão, também, sugerindo os treinos
intervalados extensivos como mais adequados na aprendizagem motora.
De qualquer modo, todo treinamento deve respeitar os preceitos da
ciência. Sendo assim é indispensável a prescrição e o acompanhamento de um
professor de educação física consciente para que o treino traga sempre
resultados seguros, reduzindo o risco de lesão.
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